25/01/2012

"O negro da cabra e o negro
  do preto, do pobre, do pouco.
  Negro da poeira, que é cinzento.
  Negro da ferrugem, que é fosco.
  Negro do feio, às vezes branco.
  Ou o negro do pardo, que é pardo.
  Disso que não chega a ter cor
  ou perdeu toda a cor no gasto.
  É o negro da segunda classe.
  Do inferior (que é sempre opaco).
  Disso que não pode ter cor
  porque em negro sai mais barato."
  João Cabral de Melo Neto. Prêmio Camões, 1990.

Questão de pontuação

Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);

vive em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação(na política):

o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive,
o inevitável ponto final.
João Cabral de Melo Neto, Agrestes,1981-1985.